21 de fev. de 2012

moro no 23 andar de um prédio de 25. minha vista à frente tem uma placa-mãe de slots de fábricas. se eu não escrever, talvez os filhos da Heleninha e Hiroshi não saibam que aqui no Ipiranga tem um cheiro de coisas sendo feitas nas fábricas e que não são de comer. talvez não saibam que as folhas de vidro da varanda, quando abertas, deixam entrar ar e ruído, que nunca cessa, mesmo às altas horas da madrugada. de uns tempos pra cá vemos um shopping com suas luzes sempre acesas. de lá nos vemos a nós aqui, mas sem contornos ou lembranças. é apenas mais um número. daqui, o olhar que sai é único e a moldura também. tem o posto, o mercado agora vazio, o viaduto. tudo muito feio e sem brilho. tem uma torre na fábrica de linhas que ainda funciona nos dias de hoje. e os fios são espécie de células de tecidos vivos. a torre. chaminé? o viaduto é tortuoso, desemboca aqui em casa, como um elo. entre as zonas, entre os bairros, entre o lá e cá. de lá pra cá, o cá tem outras cores, outras formas, outros vazios. de cá pra lá também. não sei se o olhar de fora é o verdadeiro, ou o real é o olhar de quem vive. desde pequena tenho os dois. com concentração mudo a chave, o canal, e sinto a imagem com o olhar de fora, sem vícios, sem parentismos, sem o viver junto. difícil. não sei qual o canal real. como podem duas realidades serem a mesma tão diferentes? corre álcool aqui. slooooowwwwwmotion, como eu digo sempre. as lágrimas vêm e parecem ser por nada. mas tem tanta coisa guardada, não dita, inaudita. tem tanta história pra contar e ninguém pra ouvir. tem tanto medo aqui do alto do 23 andar ao olhar pra baixo e pensar que tudo pode acabar assim. nonada.



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