17 de out. de 2018

Não trabalhar tem um efeito poderoso na trajetória de uma vida. Primeiro de liberdade, de merecimento, de possibilidades. Depois de paralisia, desacreditamento, despertencimento. Se o trabalho dignifica o homem, o não-trabalho, por conseguinte, o coloca à parte de toda possibilidade, mínima que seja, de simplesmente pertencer. Enquanto todos já saíram de casa há muito, você ainda dorme. Enquanto todos têm problemas a resolver, você assiste às novelas. Enquanto todos anseiam pelo fim de semana, você o tem todos os dias. E passam-se semanas e meses, e o sentimento de não-merecimento só aumenta. Não trabalhar é estar à parte da sociedade, é ser não-cidadão, é ter nenhum direito. E como por alguma inversão cruel, os vinte anos trabalhados frente ao um ano, de repente não contam, não valem nada. Um ano parada. Parada. Sem ter que acordar cedo, pegar trânsito, suportar chateações, superar desafios, nada. Só parada, enquanto todos ao redor cumprem uma sentença diária. Não é justo. Eu não mereço, eu não mereço...

E também passou.

10 de out. de 2018

Eu já perdi a conta de quantos momentos de revelação eu já tive. E é tão claro... Ser feliz na plenitude, independentemente de qualquer fator externo. No fundo, nada importa. Não há sentidos escondidos ou "tinha que ser". A perfeição está exatamente nesse modo de ver de fora, de desconectar da praticidade do dia a dia e subir um nível. Onde tudo, tudo faz sentido. O sentido que a gente dá. E todas as pessoas que você amou, e perdeu, e passaram... todas as dificuldades, as conquistas, o que foi e o que ficou, é tudo lindo. É tudo perfeito.

8 de out. de 2018

(Dos rascunhos de 01/03)

Eu te carrego comigo, junto, grudado. Quem olha, não pode ver. Não dois. Vê um só. Te vê, também, e já não me vê. Porque eu te carrego comigo, tão junto, tão grudado, que separar já não dá. Quem quiser falar comigo terá que ouvir sua voz. Quem quiser me passear também terá que te levar. Imbricado, simbiótico. Como quando a gente desiste de tirar o rótulo do vidro. Como quando a gente deixa cair um pouco de gema na clara. Ou verte muito sal na água. Tão junto, inesgrudável. Só que diferente do rótulo, tão fino, diferente da gema, tão pequena, diferente do sal, tão faceiro, sua presença pesa. Pesa. Pesa. Como aquele colchão sem alça que não dá posição pra segurar. Como aqueles relacionamentos doentes que não dá posição pra ser feliz. E pesa. Pesa. Pesa.
(Dos rascunhos de 16/05)

Eu já desejei tanto morar no centro, em um prédio antigo como esse em que agora eu moro. Já sonhei ter muitas plantas, como as que agora me rodeiam. Eu queria muito ter meus livros à mostra, eles todos exatamente como eu vejo sentada do meu sofá. Daqui vejo ainda minhas máquinas de escrever, minha batedeira KitchenAid Tiffany, a toalha de tricô na mesa, o vaso de cristal, meu pé de mesa de máquina de costura. A verdade é que eu apenas olho para tudo isso. Eu vejo mesmo, e sinto, acima de tudo, é a ausência. É quem não está aqui.
(Dos rascunhos de 30/07)

Uma novela marca um período. O fim dela é mais um laço que se desfaz entre o que sou agora e o que fomos juntos. Em termos de rotina, talvez seja o último.
Estou agora sentada na cama, de frente para a janela. Gi e Sophie estão dormindo na caminha suspensa e cadeira. A janela está parcialmente aberta e, apesar do frio dos últimos dias, a temperatura agora está agradável. Bate um vento leve que mexe com as plantas. O Cedro está com dois galhos apenas e esse mesmo vento, mais cedo, tirou algumas das suas folhas.
Eu ouço as crianças que devem estar no intervalo, na escola atrás de casa. De mais longe o som de alguma oficina mecânica, dentre as muitas da rua ao lado. Fora a lavação de caminhões no posto ao lado. Eles nunca param...
Tem um prédio a minha frente e já conheço de vista alguns dos vizinhos. Hoje descobri um apartamento com um gato amarelo que toma sol pela manhã. O meu favorito é um de parede cinza escura, com um lustre suntuoso de várias lâmpadas vintage penduradas em formato de polvo e os batentes da porta pintados de vermelho. Na cozinha eles colocaram aqueles azulejos brancos com estilo de metrô londrino. Acho que são um casal.
11/06/2018. 15h42

(Dos rascunhos de 16/07)

Quando eu vir as fotos e não chorar
Quando eu ouvir as músicas e não chorar
Quando alguém me perguntar "Como você está?" e eu não chorar
Terá passado.
Por enquanto, só presente.


Passou.

20 de jun. de 2018

Toda realidade é construída individualmente. Não existe "real", "verdade", nem nada fixo. São tudo conceitos, tudo construções de cada um, e a minha tem sido tão imbricada, tão absurdamente complexa, com cores, cheiros, sons, memórias reais, imaginadas e de outros, mentiras, intrigas, traições, dores, tantas dores, tantas, tantas dores... Eu já nem sei contar a história em linha reta. Não saberia por onde começar a tecer, nesse emaranhado imenso de nós por desatar. Eu sei que eu poderia realizar tudo de uma maneira mais simples e direta. Eu sei... Eu só não consigo pensar simples, sentir simples, estar simples. Como dói...

3 de jun. de 2018

você destaca uma folha e põe na água
ela se intera, vira um todo, completo, autocontido
inteira

você se põe à parte
e torce
para o tempo te interar, te fazer (de novo) um todo, completo, autocontido

...
mas fragmentada
sempre choro quando escrevo para alguém
mensagens de aniversário
comentários em posts
sempre choro.
a vida é tão breve, tão "é a última vez"...
a gente logo muda e o tempo passa
e a pessoa que você vê todo dia logo não verá mais
e a rotina que você sustenta todo dia logo não sustentará mais
e a pessoa que você foi
e os sonhos que você teve
tudo muda, tudo passa
escrever para alguém é como tentar perpetuar um sentimento tão puro e profundo
é como emoldurar um momento na parede da vida
antes que passe uma tinta de esquecimento por cima

1 de jun. de 2018

eu nunca tive mãos bonitas
talvez por isso tenha aceitado (...) que você as elogiasse as outras
as minhas
de tantos sobressaltos, vincos
curtas expectativas
de calos ressentidos

eu nunca tive mãos bonitas
talvez por isso tenha aceitado (...) que você não as pedisse nunca
para as suas

16 de mai. de 2018

Tudo por aqui aos poucos se assenta
Nada parece definitivo
A casa ainda procura escrever a sua história
Se ajeitando pra caber em cada capítulo
Como que a um dia se venha a dizer "Cada coisa em seu lugar"

Por ora tudo está atento, sem descanso
Ainda não se convenceram de que são pra ficar
Que é assim
Um dia é pra sempre e depois não mais
Até ser de novo, definitivo.

Minha pequena grande Helena, você já teve olhos escuros, claros e puxados, mas seu olhar para o mundo nunca mudou. Essa sua essência curiosa e investigativa para os detalhes, e seu senso tão apurado para perceber o indizível. Sei que agora mesmo, você percebe.
eu tenho momentos de felicidade instantânea
horas de desespero profundo
um e outro vêm rápido, repentinos, e são verdades universais.
eu vejo o milagre que é a vida
sinto a total desesperança que é viver.
por segundos eu sei tudo. eu sei tudo.

4 de mai. de 2018

Dos rascunhos de 08/12/2012...

estou imóvel. me é tirado o único conforto: planejar. não posso pensar no futuro, breve ou longínquo. não posso tecer listas, desejar, sonhar. não posso nada, porque nada pode. me imponho dependências porque amo. libertar é deixar ir, desistir, abandono. olho pros lados e não sei como sair. penso possibilidades que só me farão distanciar.
O ponto que tantas vezes me atendeu já não é meu. É só mais um ponto, no trajeto de sempre que já não me pertence. Percorrer esse trajeto, os mesmos trejeitos, noutro caminho, noutro destino. Destino... que eu sempre soube e que sempre me foi reservado. Eu percorri tantas vezes o mesmo caminho, querendo chegar noutro lugar. Hoje eu saio desse outro lugar e chego em outro ainda, o mesmo, mas diferente. Gloriosa a vida, que nos reserva um emaranhado de pontos para que tenhamos, a cada novo dia, a chance de religá-los mais uma vez.

Não trabalhar tem um efeito poderoso na trajetória de uma vida. Primeiro de liberdade, de merecimento, de possibilidades. Depois de paralisi...